Primeiro como tragédia, depois como farsa. Em 1950, assistimos à tragédia; em 2014, à farsa. Pois apesar dos esforços midiáticos para dar um tom trágico aos 7 x 1, a verdade é que não sofremos com o passeio alemão em solo pátrio. Quem ousaria um gracejo sobre o Maracanaço no calor da hora, quando um país inteiro chorava? Já em 2014, não faltaram memes, e a verdade é que muitos de nós estávamos indiferentes à Copa (isso para não falar nos secadores, que por aversão à CBF ou aos desmandos do “padrão Fifa”, torceram contra a canarinho do primeiro ao último jogo). Mas, passados quatro anos da farsa dos 7 x 1 e a uma semana da copa, em que pé estamos?

Quanto à torcida, certamente aumentaram os votos nulos, e as ruas não respiram o clima de Copa, presente apenas nas peças publicitárias com Tite, Neymar e – pasmem! –  Dunga. A indiferença pode ser explicada pela composição do escrete, formado quase inteiramente por atletas de times estrangeiros, muitos deles sem identificação anterior com grandes clubes brasileiros, e todos destituídos do carisma fácil de um Ronaldo Fenômeno, da verve polêmica de um Romário ou do estilo pé no chão de um Cafu, 100% Jardim Irene. Neymar, manchado por inúmeras polêmicas, dentre elas o contrato de exclusividade com a Rede Globo, não é unanimidade, e diante da carência de ídolos tenta-se elevar a figura de Tite – misto de coaching neurolinguista com pastor da  Universal e tecnocrata alemão – ao panteão dos deuses outrora ocupado por Pelé, Garrincha, Riva et al. E todos sabemos que, assim como a ascensão do “gestor” representa a morte da política, o primado do treinador sobre os jogadores é a derradeira pá de terra sobre o futebol.

Contribui ainda para a modorra generalizada o aviltamento da camisa amarela, outrora motivo de orgulho, usada nos protestos que levaram ao golpe de 2016. Ante o verede-amarelismo que timidamente, aqui e ali, começa a dar as caras, o macunaímico torcedor brasileiro resmunga: “Ai que preguiça!”.

Quanto à seleção, estamos mais bem preparados do que em 2014. Ainda assim, temos um dos times menos criativos de nossa história, sem um meia que possa, em um passe de mágica, mudar a história de um jogo, e a “neymardependência” de que falam os especialistas é tão real quanto a alta da inflação, a queda do PIB e os 13,4 milhões de desempregados.

A verdade, com o perdão da obviedade, é que podemos ganhar ou perder a copa. Se ganharmos, ganharemos sem o brilho dos três primeiros títulos, quando jogávamos e encantávamos. E se perdermos, perderemos sem a grandeza trágica de 50 ou 82. Perderemos discretamente, como em 2010, ou ganharemos pragmáticos, como em 94, com Neymar fazendo as vezes de Romário.

Estamos longe de 1970, quando Pasolini, após os 4 x 1 do Brasil sobre a Itália, propunha a distinção entre futebol de prosa e futebol de poesia: “Quem são os melhores dribladores do mundo e os melhores fazedores de gols? Os brasileiros. Portanto o futebol deles é um futebol de poesia – e, de fato, está todo centrado no drible e no gol”. Naqueles tempos, nos contrapúnhamos ao esquema de retranca e triangulação italiano, abertos ao inesperado e à subversão prazerosa da linguagem futebolística. Hoje, nos inspiramos na prosa europeia.

Tite já revelou seu sonho de treinar um time italiano e, não por acaso, a palavra "triangulação" é um dos trend topics de seu vocabulário (o termo “retranca”, é claro, está vetado). “Poesia é risco”, como disse Augusto de Campos, e não estamos dispostos a correr riscos após os 7 x 1.

Por fim, para terminar em poesia ao menos aqui, encerro este texto à toa, de um não especialista, com um poema do vascaíno Drummond, “Oficina irritada”. Tentem imaginar a voz de Tite recitando o poema e percebam como as potencialidades e os limites do escrete canarinho estão cifrados no claro enigma drummondiano:

 

Eu quero compor um soneto duro

como poeta algum ousara escrever.

Eu quero pintar um soneto escuro,

seco, abafado, difícil de ler.

 

Quero que meu soneto, no futuro,

não desperte em ninguém nenhum prazer.

E que, no seu maligno ar imaturo,

ao mesmo tempo saiba ser, não ser.

 

Esse meu verbo antipático e impuro

há de pungir, há de fazer sofrer,

tendão de Vênus sob o pedicuro.

 

Ninguém o lembrará: tiro no muro,

cão mijando no caos, enquanto Arcturo,

claro enigma, se deixa surpreender.

Share this post